um dia como os outros...

todos os dias sai da sua casinha para esticar as suas asas. voa pela casa cumprimentando todos. e lá do alto, lá no alto do móvel, repleto de vaidade vai penteando as suas penas. hoje, voltou a fazer sapateado na minha cabeça. há muito que não fazia por isso fiz uma viagem pelo tempo. 

[o tempo em que eram dois cá em casa e um batalhão de periquitos coloridos. imaginar hoje a confusão que era dentro desta casa na hora em que os céus se abriam para a livre circulação de pequenos seres salpicados de verde, amarelo, azul e de tons creme faz-me desejar voltar a viver nesse tempo. um tempo de felicidade. mas o tempo passou. ela, a rolinha, partiu. os periquitos também já aqui não vivem. foi pelo natal que abri uma caixa de sapatos e lá estava ela. viveu connosco durante 19 anos (alguns não acreditam! mas é bem verdade. uma guerreira de asas. também ela fazia parte da família). durante muitos anos viveu solta no meu quarto (que se mantinha limpo porque tinha um lugar exacto para a sua higiene diária). passava o dia à janela a olhar a rua ou então deitada num cestinho de verga numa das prateleiras do meu móvel. parecia um boneco. quando estava eu na escrivaninha a desenhar ou a estudar, ela colocava-se sempre no meu ombro ou então recolhia-se ao meu lado na sua almofada. olhava-me de vez em quando e eu olhava-a também. parecia um gato de asas. agora que recordo isto até julgo que vivi um sonho, mas foi um sonho de verdade. tantas outras coisas poderia contar. uma lembrança que chegou. este apontamento também faz parte daquilo que fui, que sou e que de uma forma ou de outra se reflecte nas personagens de pano que hoje crio]